CARTAS
Minha Genoveva,
Senta-te para que não caias de surpresa, já que é a primeira vez que nos falamos
e poder-te-á ser, ou não, agradável o que vou contar.
Quando o meu bisavô foi para as Áfricas, já lá vão precisamente 98 anos,
certamente ninguém pensou na sua aldeia que voltasse, mas foi o que fez, como
talvez saibas.
Deixou aí filhos com uma lavadeira negra, um deles o teu avô, de nome Miguel
Gomes, só isso é que sei. Parece que vivia em Benguela e o teu pai ou a tua mãe,
cujos nomes não conheço, se ainda forem vivos, por certo saberão confirmar o que
digo. Sou, pois, tua prima afastada, sendo o nosso bisavô o mesmo, já que ele aqui
tornou a fazer filhos, tendo-se casado com a minha bisavó, D. Engrácia Gomes.
Fiquei muito feliz quando recebi do consulado português em Luanda a indagação
se por acaso um tal José Armando Gomes seria aquele que estiveram em Angola de
1900 a 1930 e cujo assento de baptismo de um filho, Miguel Gomes, constava na
paróquia do Carmo, em Luanda. Acho que terás sido tu a inquirir, pois foi esse o
endereço que me foi fornecido.
O resto, é este primeiro contacto. Manda-nos fotografias tuas e da família,
explicando tudo muito bem, quem são e como estão.
O retrato que anexo é do Augusto, meu marido, eu e o nosso filho Tobias, tirado
no jardim zoológico o ano passado, quando fomos a Lisboa de férias. Por acaso
tirada ao lado dos elefantes, quando não sabíamos que tínhamos parentes em
África, vê lá.
Tua prima que te adorará conhecer um dia.
Ana Rita
P.S. Que cor és?...
Mário Maldonado ao chegar a casa, encontrou a carta aberta em cima da mesa
na sala de jantar. Certamente que a mulher aí a tinha deixado para que ele a lesse.
Momentos depois, quando esta saiu do quarto, jocoso, perguntou, à guisa de
cumprimento:
“Então foste descobrir uns pulas teus parentes na meloi?”
De facto assim fora. Genoveva descobrira uns documentos guardados em um
embrulho de papel castanho meio comido pelas traças, numa mala com coisas
que tinham pertencido a sua mãe, que davam a entender que talvez pudessem ser
de seu familiares. Sem dizer nada ao marido, consultara os registos da igreja e
contactara o consulado português em Luanda, que se prontificou a averiguar.
“Que mal há, são parentes e devemos conhecer as nossas origens.”
“Vem mesmo a calhar, para o ano vamos lá passar férias.”
“Achas que vão querer ter na terrinha uns pretos como parentes?”
“Será por isso que perguntam qual a tua cor?”
“Penso que não, deverá ser só curiosidade. Conhecem que o bisavô fez filhos com
a lavadeira minha bisavó, portanto pensam que no mínimo mulatos devem existir.”
“Lá isso é verdade.”
“Envia-lhe umas fotografias e logo verás...”
Se a minha mãe estivesse viva, iria ficar bem contente. Ela sempre nos disse que
tínhamos sangue de branco.”
“Por acaso recordo-me da tua mãe, era negra mas notavam-se-lhe os traços
europeus. Mas o que vais fazer?”, perguntou-lhe.
Genoveva Maldonado parou para pensar. O lógico seria responder e dar tempo
ao tempo. Aguardar que uma amizade se formasse, ou que a curiosidade soçobrasse
no mar de esquecimento que a distância produz.
Ardia por saber mais daqueles primos distantes, em lonjura e parentesco. Ter
tido conhecimento que tinha família para além da conhecida, e em outras partes
do mundo, fora uma agradável experiência. Eram raízes dum tronco comum que se
revelaram abruptamente, um passado que emergia e a incorporava.
“Creio que vou-lhes responder e aguardar, nada mais posso fazer. E um dia,
quem sabe, talvez me convidem a visitá-los.”
“nos convidem!...”, emendou o marido.
Com a felicidade da primeira carta, na manhã seguinte respondeu à prima.
Querida Ana Rita
Fiquei muito feliz em receber a tua carta, não só porque foi uma surpresa como
igualmente revelou familiares que nunca sonhei ter, não obstante minha mãe me
falar de um avô mulato, seu pai, portanto. Meu avô chamou-se em vida Abílio José
Gomes e casou-se com uma senhora negra, Celestina. Geraram vários filhos, entre
eles a minha mãe, Francisca Gomes, que por sua vez se casou com um outro senhor
negro, António Nóbrega da Silva, que me fizeram a mim, esta tua prima Genoveva
Silva Maldonado (o último nome por casamento) e mais dois irmãos, todos vivos.
Ficas, assim, a saber do ramo africano da família gerada por nosso bisavô, pelo
menos do meu lado.
Estou um pouco atrapalhada por não te conhecer e portanto, não saber o que te
dizer. Quanto ao nosso país, certamente sabes de tudo, ou quase. Há anos que nos
guerreamos e destruímos, sobretudo por causa de um doido que teve que nascer
nesta nossa terra maravilhosa, para mal de todos nós.
Quando desejares vir até Angola, tens aqui casa. Por ora é tudo. A fotografia é
minha, com o meu marido. Não é muito recente mas ainda estamos assim, talvez
um pouco mais magros.
Tua prima. Escreve!
Genoveva
Dois meses passaram e Genoveva nada mais ouviu de Ana Rita, facto aproveitado
pelo marido para a espicaçar.
“Eu bem te dizia, logo que souberam que havia negros na família...”
“Pode ser, mas duvido. Sabiam que os havia, pelo menos a bisavó.”
“Certo, mas a confirmação de uma hipótese mudou tudo. Olha, o teu avô poderia
ter casado com uma branca ou mulata.”
“O que interessa tudo isso?”
Ana Rita dirigiu-se à varanda para estender a roupa lavada da véspera. À noite
houvera luz, as sagradas oito horas distribuídas ao bairro. Esta manhã tê-la-iam
até ao meio dia e, depois, tornaria a voltar a partir da meia noite. A campainha
da porta soou e Mário abriu. Era o carteiro a entregar a correspondência, entre a
qual, uma cartas de Portugal.
“Véva, gritou ele para a varanda. “Tens aqui uma carta da tua prima
portuguesa!”
Genoveva veio a correr e não conseguiu conter a excitação. Quase arrancou a
carta da mão do marido e, nervosa, abriu o envelope. Sentou-se na cadeira e leu
alto.
Genoveva minha querida,
Recebi a tua carta que muito me alegrou, foi uma sensação cá em casa. O
Augusto, que sempre foi do PCP e nunca esteve em África, ficou radiante. Claro que
isso serviu para mais um sermão sobre o passado colonial-fascismo e o apoio dos
capitalistas do PSD às tendências neocoloniais em Angola, etc., etc.
Eu também
sou do PCP, mas às vezes o Augusto chateia-me com as conversas dele. Se não é o
partido, então é o Benfica.
Já todo o bairro sabe que temos família em África, angolanos genuínos, como
ele repete por tudo quanto é canto. Foi muito gentil da vossa parte porem a casa à
nossa disposição, quem sabe se um dia não teremos essa alegria de aí ir, embora
duvide muito. Não temos posses e a viagem custa bastante.
Segundo consta aqui em Portugal, vocês é que são um país muito rico e há por
aí um monte de carros novos, dizem que todos têm um e que os angolanos viajam
muito. Alguém contou-nos que em vez de dentes de ouro, vocês usam dentes de
diamantes e que o petróleo até escorre nos bairros de Luanda. Se isso for verdade, então certamente será muito mais fácil vocês virem cá. A nossa casa é pequena,
mas sempre se arranja um espaço.
O Augusto pede-me para te perguntar que regime político têm agora? Sabíamos
que eram comunistas, porque o Dr. Agostinho Neto foi retirado da cadeia pelo
nosso Partido.
Mas desde a nova situação mundial, diz-se por aqui que são cristão democratas.
Ele jura a pés juntos que isso é mentira, nunca fariam uma coisa dessas, sim
senhor que poderiam ter mudado mas não tanto assim, já que fizeram uma luta de
libertação nacional contra um sistema que oprimia as massas.
E aí há o Benfica?
Também para o que está a jogar, se não houver não faz falta nenhuma! Desculpa
lá, mas nas minhas cartas irás sempre encontrar um pouco de política e futebol.
Talvez tenhas orgulho em saber que esse nosso bisavô foi um garanhão, pois com
a minha bisavó, fez ainda cinco filhos. Por hoje é tudo. Cumprimentos ao Mário.
Tua Ana Rita
“Com que então angolanos genuínos, heim?”, riu Mário Maldonado.
“Mal sabem eles o que isso aqui quer dizer!...”, riu Genoveva igualmente.
“Agora que descobriste esses parentes brancos lá se foi a tua genuinidade,
passas a ser extra angolana...”, provocou-a.
“Muito me preocupa! Olha para o Hitler e os seus genuínos. Isso são teses de
atrasados mentais, mentecaptos.”
“Eh lá!... O problema não é teu, não vale a pena exaltares-te.”
“Já sabes que me aborreces quando me provocas com esse tipo de argumento.”
“Tá bom, tá bom, não vale a pena guerrearmo-nos por causa disso.”
“E que tal essa de sermos cristãos-democratas?”... riu Mário.
“Eu cá disso não quero saber, já me bastaram os anos do PT, embora, em abono
da verdade, estivéssemos muito melhor do que agora.”, respondeu a esposa.
“Cinco filhos, é?!... faço ideia a cambada de primos que por lá deves ter, alguns
até talvez aqui sem ninguém saber.”
“E se lhe mandássemos um PTA para ela vir’”
Dias após, escreveu à prima.
Querida Ana Rita,
Sou novamente a agradecer-te a carta recebida há tempos. É sempre uma
alegria ter notícias tuas e dos teus. Nós bem graças a Deus.
Então vocês são comunas? Eu e o meu marido não somos nada, na época do
partido único tínhamos que ser do MPLA, votamos nele e no presidente, mas
hoje, se queres que te seja franca, não somos nada, incluso duvido muito que nos
próximos vinte anos tenhamos eleições. Tudo aqui vai de mal a pior, cada vez mais
pobreza, não é nada aquela riqueza que por aí se fala, isso é para muito poucos.
Dentes de diamante?!... A miséria aumenta a olhos vistos e, por consequência,
a criminalidade, a prostituição infantil, os deslocados, os mutilados, enfim, um
horror de nunca mais acabar, para além desse criminoso que não para de fazer a
guerra porque sonhou ser presidente a todo o custo. Puxa, e não há quem acabe
com essa peste!
Quanto ao sermos cristãos democratas, olha, estou fora da política, só sei
que houve mudanças quando a União Soviética faleceu, mas os que lá estavam
antes continuam a ser quase todos os mesmos. Julga por ti própria, não me
quero aborrecer com essas coisas, até porque tenho um projecto que está quase a
arrancar, à custa de muitos anos de sacrifícios e negócios.
Podes falar de política e futebol à vontade, ambos são jogados muito com os pés
e pouco com a cabeça.
Eu e o Mário vamos abrir um pequeno restaurante na Ilha. A Ilha de Cabo é
uma extensa língua de areia ligada ao continente por uma ponte, e um ponto
de turismo e recreação luandense. Será um restaurante especializado em pratos
típicos angolanos e, talvez mais tarde, em de outros países africanos. Estamos seriamente a pensar em convidar-te a vires passar uma temporada
connosco, infelizmente falta-nos o kitadi (dinheiro) para vos convidar aos dois,
mas talvez só lá para o fim do ano. Depois confirmamos, mas vai-te preparando
psicologicamente, isto aqui é muito quente, com mosquitos e moscas mil...
Quanto ao Benfica, em Angola não existe mas muita gente continua a ser dele,
por incrível que te possa parecer. Até o meu marido!
Tua Genoveva.
Quando Mário Maldonado regressou a casa para o almoço, encontrou a mulher
em pratos e rodeada de umas tantras vizinhas. Ao vê-lo, desatou aos gritos.
“Meu Deus, quem morreu?”, inquiriu apavorado.
“Calma vizinho, ninguém morreu.”, tranquilizou-o uma das mulheres presentes.
Mais aliviado, suspirou fundo e recompôs-se, já com Genoveva agarrada a ele
aos soluços.
“Assaltaram-me e roubaram-me o carro.”
“Acalma-te filha. O carro recupera-se, o principal é que não te aconteceu nada.”
“Dois homens, um com uma pistola. Nunca tive tanto medo na minha vida.”
“Já deste participação à polícia?”
“Deves estar a brincar, felizmente que o Antunes passou e deu-me boleia para
casa.”
“Então compõe-te para lá irmos.”
Foram à polícia e deram participação do roubo, sem grandes esperanças na
recuperação da viatura.
Três semanas após este incidente, Genoveva recebeu nova carta da prima.
Querida Genoveva
Espero que não estejas a brincar quando dizes que me convidam a ir a Angola.
Quase que morri de emoção, porque, salvo uma muito breve ida a Espanha, numa
excursão do Partido, não conheço mais país nenhum. Esse acontecimento, a ter
lugar, certamente que será o maior da minha vida e relembrado para sempre.
Olha, o idiota do Augusto agora só diz kitadi em vez de dinheiro. Fartaram-se de
rir, chamando-o de parvo, porque esse kitadi não vale nada. É verdade? Disseram.lhe
que vocês são todos milionários, porque nada se compra com uma nota de um
milhão. Claro que não acreditei, como se isso fosse possível! Qual é o país que tem
notas de um milhão?
Ficámos muito felizes por saber que vão abrir um restaurante de pratos típicos
do vosso país. Nós nunca comemos nada de Angola. Será que dá para mandares
uma receita de um prato que se possa fazer com facilidade? Nada dos muito
complicados, tá?
Então deixaram de ser comunistas e dizes que não sabes o que são? Francamente,
não entendo nada!
No nosso PCP a única coisa que mudou foi o camarada Álvaro Cunhal por ter que
se reformar, temos agora o camarada Carlos Carvalhas, mas o Partido continua a
ser o mesmo, a nossa bandeira continua a ser a foice e o martelo e a ser vermelha,
os nossos estatutos e objectivos os de sempre. Mas enfim, o mundo muda e esse
assunto é vosso.
Hoje estou fraca de notícias, por isso fico por aqui.
Tua, como sempre, Ana Rita
O tempo passou e Genoveva foi-se habituando ao facto de não mais ter viatura.
Descria que alguma vez a recuperasse, ou se tal acontecesse, certamente que
metade das peças teriam sido roubadas. O marido prometera que em breve
comprariam outra, em segunda mão. Quanto mais velha, menos probabilidades
de ser roubadas.
O fosso da distância que separava as primas foi encurtando com a troca consistente de correspondência, iam-se conhecendo aos poucos. Na última, Ana
Rita solicitava mais uma vez que Genoveva lhe enviasse uma receita de um prato
angolano.
Esta nunca lhe falara do roubo do carro, não desejara projectar essa imagem do
país, onde se roubam carros à mão armada como quem troca de camisa.
Querida prima,
Há algum tempo que não te escrevo, são preocupações da nossa vida que o
impediram, mas nada de sério. Estou em falta para contigo, de facto já deveria terte
enviado a receita de um prato nosso, se queres que te diga, nem sei de quê. Como
aí é fácil adquirir carapau, vou-te ensinar um prato típico luandense. É o mufete,
que às vezes comemos com feijão de óleo de palma, outras com pirão.
Arranja uns carapaus, segundo o número de pessoas, e farinha de mandioca
torrada. Aí talvez encontres a brasileira, mais fina e de menor qualidade que a
nossa. A essa farinha, nós chamamos farinha musseque, sendo o musseque a terra
batida e encarnada africana. Foi nessas terras, portanto não asfaltadas, que a
colonização criou os bairros periféricos dos negros, e daí esses bairros passaram a
chamar-se, por extensão, musseques (este parêntesis é para o Augusto).
Também precisarás de cebola, tomate, azeite doce, vinagre, gindungo (piripiri),
sal e água.
Lava o peixe e coloca-o a secar, sem ser escamado ou retiradas as vísceras (faço
ideia da cara que deves estar a fazer, mas acredita que dá melhor gosto). Deves
assá-lo em poucas brasas, para ser lento e sem ser queimado. Vais voltando os
lados a fim de que fique assado homogeneamente. Quando estiver pronto retira
das brasas e serve quente, colocando só então o sal. Faz acompanhar com pirão,
bastante fácil de preparar.
Enquanto o peixe é assado, pica a cebola e coloca-a numa tigela com os outros
ingredientes, salvo a farinha musseque, que é adicionada aos poucos e com cuidado
para que não fique molhada, mas sim leve e solta. Bom apetite.
Espero que te saia bem a experiência, se não gostares, não desanimes.
Para tua informação, já que aí em casa se deve ter passado a mesma coisa, o
meu marido teve um ataque de nervos quando Benfica perdeu com o farense, o
lanterna vermelha do vosso campeonato. Essa noite não dormiu e acredita que isso
não entendo. Primeiro, porque não ligo nenhuma a futebol, segundo, porque não
entendo como é que alguém pode sofrer por um clube que nem é da terra dele, mas
como se diz, cada maluco com a sua mania. Eu que aguente.
Tua prima que muito te preza.
Genoveva
O dia amanhecera solarento mas abafado e a ameaçar chuva. Genoveva
encontrava-se em casa quando o carteiro trouxe a correspondência, uma única
carta, com o carimbo de Luanda. Sentou-se à mesa, sorveu o chá que tomava e,
com a faca, abriu o subscrito. Retirou a carta e leu, no fim largando uma grande
gargalhada. Partiu a correr para o telefone.
“És tu, Maldonado? Não acreditarás no que te vou contar!...”
“O que foi?”
“Vou ler-te uma carta que recebemos esta manhã.”
“Outra carta da Ana Rita?”
“Não, dá bem atenção.”
“Diz lá...”
“Vou ler!...Meus caros, sou muito vosso amigo e por gostar muito de vocês é
que vos tirei o carro, porque se vos pedisse, não nos dariam.”
“Estás a brincar!...”, cortou o marido.
“Deixa-me acabar. Arranjei a avaria no disco de embraiagem e meti novos
faróis. O carro encontra-se neste momento à frente da escola Nzinga Mbandi.”
“Certamente que é brincadeira, já lá foste?”
“Claro que não.”
“Estou a caminho, prepara-te.”
“Aguenta aí, isso não é tudo. Diz ainda: quero desculpar-me de todos os
problemas e do susto que vos preguei, por isso, no dia 23 convido-vos a jantar
comigo, às 20.30, no Ponto Final, onde desejo redimir-me do pecado, contando
com o vosso sentido de humor.”
Feliz ficou o casal ao chegar à escola Nzinga Mbandi e ver estacionado o
seu carro. Genoveva, que o conduzia no regresso, verificou que de facto a
embraiagem estava reparada, para além dos novos faróis. Nessa noite caprichou
no jantar, até velas colocou na mesa e um arranjo floral.
“Quem será o engraçado, ou os engraçados?”, perguntou Maldonado.
“Passei o dia inteiro a pensar nisso... nossos amigos ou conhecidos, terão
que ser.”, disse Genoveva.
“De qualquer dos modos, mesmo com as reparações, é uma partida de mau
gosto...”
“Hoje são dezoito, não é? No dia 23 logo saberemos quem são, e então
veremos o que faremos.”
“E vamos mesmo ao tal jantar?”, quis saber Maldonado.
“E porque não?”, respondeu Genoveva.
E ao jantar foram. Chegaram quinze minutos mais tarde para não parecer
mal e esperavam há meia hora, quando mandaram chamar o gerente. Apareceu
o dono do restaurante e confirmou que sim, um senhor havia reservado por
telefone aquela mesa para eles, eram o casal Maldonado, não eram?, e que caso
se atrasasse lhes oferecesse uma garrafa de champanhe pelo incómodo da
espera, mas que vinha certamente.
Às dez horas decidiram ir-se embora, com um problema dos diabos, pois
o restaurante queria saber quem iria cobrir a garrafa de champanhe bebida.
Por fim chegaram a um acordo, em que Maldonado prontificou-se a pagar
meia garrafa, pois, segundo o dono, quem sabe se aquilo não era uma tramóia
para lhe mamarem uma garrafa de champanhe, sendo cúmplices de quem
telefonara?
Ao longo do caminho, mal falaram e todas as dúvidas que tinham sobre o
brincalhão se esvaeceram. Se o apanhassem, fariam dele carne picada.
Subiram em silêncio e quando Genoveva abriu a porta do apartamento e
olhou para dentro, caiu desmaiada.
Nem uma carpete restara!
O apartamento tinha sido esvaziado de tudo que continha, excepto a
papelada que jazia amontoada no chão.
Maldonado olhou à volta, descrente, e deixou os olhos pousar no amontoado
de papéis, no cimo do qual jazia uma carta aberta.
“Querida Genoveva,
Espero que não estejas a brincar quando dizes que me
convidam a ir a Angola.”, começou, distraído, a ler.
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